Sunday, October 14, 2007

EGA - COMENTÁRIO E ESCLARECIMENTO


Vou incluir aqui e se for caso disso responder a comentários que chegam até mim sobre "O ÚLTIMO TÁVORA".


Zé,
Li este fim de semana o t/ livro.
Não vou dizer que o fiz de um fôlego, como se de um romance se tratasse, bla bla bla.
Li, sim, um livro que me deu enorme prazer ler; que dá a quem o lê uma visão vivida do que foram aqueles desgraçados tempos; que descreve com grande fidelidade (creio) os problemas com que as elites de então se confrontavam, como elas os interiorizavam e resolviam - quase sempre de maneira canhestra, atabalhoada, preguiçosa.
Apercebi-me que nestes últimos 200 anos a Terra deu muitas voltas, e as nossas elites também. Mas contrariamente à Terra, as nossas elites não tiveram movimentos de translação: giraram sempre os 360º da praxe, para darem a ideia de que se moviam, mas acabavam sempre a olhar para o mesmo sítio.
E, para minha grande surpresa, avistei, nas entrelinhas, o espírito republicano do autor. Ah!
Em conclusão: um bom livro, que apetece relêr de quando em vez, que tenho recomendado a torto e a direito - com o senão de o trabalho de revisão editorial ter deixado passar, aqui ou ali, uns pecadilhos linguísticos e uma inexactidão histórica (a monarquia espanhola, ainda que de origem francesa, assumiu, desde cedo, a denominação castelhanizada de Borbón).
Duas perguntas, no final: A condessinha da Ega, sobrinha do infeliz marquês, é a mesma que morre princesa russa? O que foi da pobre Henriqueta?
Parabéns!
Abraço


A condessinha é a mesma e a marquesa coitada não ficou sempre no convento, foi ultrapassada pela cunhada Alcipe nos esforços para reabilitar o marquês e reaver os bens e morreu nos anos vinte.




Sobre a condessa de Ega escrevi o seguinte no Expresso

Stroganoff
Uma colecção de arte com História de Portugal



Poucos escrevem correctamente a palavra, mas qualquer pessoa com cultura gastronómica média sabe do que se trata. A receita é mais ou menos assim: faz-se um refugado na panela e vai-se juntando sucessivamente carne de vaca (quem pode usa lombo), um pouco de polpa de tomate, cogumelos e no fim as natas. Serve-se com arroz. É um Stroganoff.
Pode imaginar-se que se trata do nome de um grande cozinheiro russo que recusando pôr os seus dotes ao serviço das “vítimas da fome” rumou a Paris depois da revolução de Outubro, distinguindo-se entre os maiores da sua arte. De facto, a receita como não podia deixar de ser, foi inventada por um cozinheiro, que era russo, mas Stroganoff era o nome dos patrões.
Oriundos de Novgorod, coração da antiga e santa Rússia, os Stroganoff eram no século XVIII a família mais rica do Império dos Czares. Quando Pedro o Grande começou a fazer de S. Petersburgo uma capital “à europeia” os Stroganoff encomendaram a um arquitecto italiano, Rastrelli, a construção do magnífico palácio barroco que ainda hoje existe na margem de um dos canais da cidade. Cultos, viajados e atentos às Luzes, coleccionaram arte e objectos preciosos da antiguidade clássica. Foram também mecenas de artistas seus contemporâneos: mandaram executar bustos de Voltaire e Diderot ao escultor Jean Antoine Houdon, por exemplo. Na galeria de pintura reuniram mais de cem quadros dos melhores pintores de sempre: Van Dyck, Rembrandt, Michelangelo, Luca Giordano, Goya e Velasques. Tal como a sua fortuna, a colecção Stroganoff era também a mais importante da Rússia.
Com a revolução de 1917 o palácio de S. Petersburgo foi transformado em museu, vindo a ser fechado em 1920 e o recheio espalhado por vários museus: o Hermitage, o Museu de Leninegrado e o Museu Pushkin de Belas Artes em Moscovo. Pelos anos trinta, numa situação de aperto, o camarada Staline mandou vender em leilão, na Alemanha do seu ainda amigo Adolfo Hitler, uma parte da colecção. Daí que, por exemplo, o quadro “Jeremias Lamentando a Destruição de Jerusalém” de Rembrandt, se encontre presentemente no Rijksmuseum de Amsterdam.
Agora que já conhecemos alguma coisa dos Stroganoff e da sua colecção é altura de saber o que tem tudo isso a ver com a História de Portugal.
Em 1800, Juliana de Almeida, filha da que viria a ser a marquesa de Alorna, casou com o conde da Ega (nome de uma pequena povoação da região de Coimbra), então viuvo e muito mais velho, pois ela pouco passava dos dezasseis anos. Naquele tempo as mulheres que casavam, faziam-no quase sempre por interesse ou necessidade das famílias.
Pouco depois o conde, de seu nome Ayres José Maria de Saldanha e Albuquerque, foi nomeado embaixador em Madrid. Aí ficou o casal até Outubro de 1807 quando já o exército francês, apoiado pelos espanhóis, iniciara o avanço sobre Portugal, para concretizar a ocupação a que se chamou 1ª Invasão Francesa. Naqueles momentos aflitivos para o trono de Portugal e seus ministros ninguém quis saber dos pontos de vista do ex embaixador em Madrid, o que o terá deixado bastante despeitado. Logo que, na sequência da partida de D. João VI para o Brasil, um Junot todo poderoso se instala em Lisboa, o conde tornou-se no mais visível e dedicado partidário dos franceses. Menos de um ano depois, quando a sorte se virou contra estes e ficou claro, depois das batalhas da Roliça e Vimeiro, que seriam expulsos de Portugal, Ega receou justificadamente pela sua vida e refugiou-se a bordo de um navio que o levou a França. Exilado em Paris, Napoleão evitou que caísse na miséria atribuindo-lhe uma elevada pensão.
Os anos passaram e na primavera de 1811 a jovem condessa de Ega, de saúde débil, foi até Florença como agora dizem alguns, fazer um “spa”, ou seja, foi a águas.
Tudo leva a crer porém que fosse no seu jovem e ardente coração que o problema se encontrava. Quis o destino atravessar-lhe nos caminhos de Itália aquele que havia de a curar de todos os males.
“Um anjo tutelar, o melhor dos amigos, Mr. de Stroganoff veio em meu socorro”, escreveu ela a sua mãe. Grigori Alexandrovitch, barão e futuro conde de Stroganoff, era um velho conhecido seu de Madrid onde também estivera como embaixador do Czar.
Foi uma mudança vertiginosa na vida de Juliana. Não deixou, porém, de ser condessa, pois de Ega passou a Stroganoff, e tanto bem à saúde lhe fez a troca, que viveu oitenta e dois anos, morrendo em 1864 naquele belo palácio de S. Petersburgo no meio da maior colecção de arte da Rússia.

1 comment:

Luisa Paiva Boléo said...

Muito interessante nos pormenores.
Conheço e li os seus livros sobre os Távora e são óptimos.
Queria apenas saber se Juliana filha da que seria marquesa de Alorna era viúva quando casou com o Stroganoff ou divorciada?
Obrigada
Luisavpboleo@gmai.com